Inicia-se agora este ensaio, que sendo como se anuncia um ensaio, o deixará de ser com o aprumar do passo, e ainda que assim comece, nem por isso deixará de pelo menos tentar, ir à procura de um novo presente, já que os futuros nunca existiram a não ser no imaginário, que revolucione, ou ainda assim, chamando o dever da modéstia, estimule novas fórmulas de gestação para o pensamento e para as humanidades, pois que, ao que assistimos nos últimos 35 anos, que é o sagrado número do tempo que vivemos com um pouco mais de liberdade e de esperança, o défice dela, é excessivo, dado que nem por isso hoje as distâncias geográficas que a separam do primeiro grande centro nevrálgico do país, a sua capital, não são assim tão grandes, que as comunicações, quer electrónicas, quer geográficas, sejam a primeira das culpas pelo engaço de marasmos e outros obstáculos, que a impedem de progredir, ao ritmo que assista e perspective a segurança da vida de todos quantos aqui vieram ao mundo.
Sairá quem quiser sair. E aqueles que optarem pela saída, como aliás sempre tem acontecido, regressarão certamente, movidos pela saudade, pela necessidade de recuperação dos sentidos, pelo que, a sua maioria concluirá, que na presença de condições de formação, labor, vencimento, e serviços clínicos aos quais se lhes possa atribuir tal nome, nem sequer lhes teria passado pela cabeça, ausentarem-se um dia.
É aviltante, perante o desmembramento contínuo de uma sociedade, que a não ser contrariado nos tempos em que reinava a velha carcaça de Santa Comba, de cuja e aberrante gestação percebíamos quão difícil se tornava combater, mais complexo se torna ainda agora, não percebermos, catedráticos e doutorandos firmando o teor de suas teses na desgraça da plebe, seguirem marchando em sincronismo quase militar, com vista à ostentação das suas brilhantes descobertas, para depois as arrumarem numa gaveta ou engalanadas numa vitrina de troféus, e passarem depois à ocupação das cadeiras dos pequenos poderes, que quase sempre são os mais corrosivos, a verem continuar o fluxo das populações em busca de pão escravo, como se numa transumância colossal, em que uns são os proprietários e outros são o gado.
Qual globalização, qual quê...! Este fadário de andar e comerciar pelo mundo, é tão antigo como a verticalidade da espécie humana, desde o tempo em que a ideia de moeda ou o pronúncio dela, era um estorvo para todos quantos sentiam no comércio, um acto de cordialidade, socialização e de estima pela proximidade humana.
Liquidarem a diversidade dos comércios, e descorarem abissalmente umas quantas regras primordiais que devem servir de tampão ao esvair da segurança, da autonomia económica e alimentar dos povos e das nações, é como degradar até ao limiar do desnorte, a diversidade biológica dos eco-sistemas, passo aliás irreversível, creio, para a esterilização irremediável dos sistemas e do Planeta.
Cada comunidade é um biótopo. Perder-se-lhe o feitio é deixar-se de saber o que se é. E as consequências disso, não é preciso ser-se mago ou vidente, sabemo-las todos, ou quase todos, quais serão. Viver sem identidade afectiva com os meios de onde somos originários, é caminhar-se a passo largo para uma civilização de desenraizados, para a qual a vida humana, não tem mais valor, que a cultura dos gangues que proliferam como primeiro aplauso dessa dita globalização.
Que não se desespere, em crítica despodorada ou descabida interpretação, porque as considerações genéricas ou retrato do desvario civilizacional aqui expressas ainda passam ao largo deste terreiro. Sabemos que uma das boas consequências do isolamento interior, é serem-lhe mais demoradas as inquietações que resultam das enormidades dos comportamentos. O que vai sendo por enquanto, uma benção apreciável. Mas o contágio está eminente, e o apetite pelos estilos do desconhecido e do distante, é por demais uma realidade que não devemos ignorar.
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Copyright: Germano Vaz - World Arts Gallery - Sociedade Portuguesa de Autores - 1/2010
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