Depois da fatídica perda de Serrão Martins, como se ela não tivesse sido por si só uma autêntica hecatombe, assistimos, como se num desrespeito colossal pela sua memória e pelos seus ensinamentos, a um fracturar progressivo das relações inter-partidárias, e na consequência deste estranho fenómeno, a um longo percurso altamente lesivo para os interesses das populações no Concelho de Mértola.
No desespero das afirmações ideológicas, travam-se combates tremendos, de uma violência psíquica inaudita, sem que se deixem perceber no fogo que se cruza entre as desargumentações de dois autênticos Clãs, os seus excessos de antipatia e o que isso tem influenciado negativamente o ânimo das populações, desde sempre confrontadas com um maior peso de dificuldades, se as compararmos com a grande parte dos municípios em nosso redor.
Entre as duas forças políticas locais mais influentes, levando à letra a sua crispação lisboeta, fermentada e explosiva logo, escassas semanas a seguir ao 25 de Abril de 1974, disputava-se assim a posse do legado moral de Serão Martins, sem que ninguém desse o braço a torcer no decorrer de todo este tempo incomensurável. Tantas vezes disse, aos responsáveis dirigentes de uma e outra facção, que esta questão fulcral teria de ser profundamente observada, e revistas as suas posições de força, provocadoras de uma inexistência de diálogo, aqui um embaraço primogénito dos novos tempos da democracia.
Eu mesmo, me vi observado e atingido com uma espécie de selo, que me carimbava as costas como Persona Non Grata, por inúmeras tentativas de que esta hipérbole do anti-relacionamento se reconvertesse. Pois, o passo urgente do desenvolvimento não podia estar dependente das fraldas partidárias, nem por ordem ou imitação dos de Lisboa, nem porque as inconsequentes posições de imponderabilidades políticas, devam prejudicar a boa persecução do desenvolvimento e da melhoria crescente do bem estar social e económico das sociedades.
Eu sei também claramente, que isto são matérias que têm de ser revistas em profundidade nos próprios meios académicos. A começar logo, pela excessiva partidarização das associações de estudantes, até às concepções doutrinárias que encerram e libertam truques de cartola, e perfazem toda a formação intelectual em massa, dirigida no sentido unilateral de uma competitividade voraz e altamente egoísta do pensamento contemporâneo.
Partidos, são partidos. São casas de agregação colectivista, grupos com visões estratégicas diferenciadas acerca de um destino a que nunca se chega. O seu dispêndio de energias e o que a sua combustão consome do espaço e da matéria reservados à inspiração de soluções inovadoras para o arrumar da casa e geri-la com um avançado fundo-de-maneio, não tem assim, aberto caminho ao avanço sustentável de Portugal. Cada um, firme e inflexível de que a sua razão ou fórmula é melhor do que a do outro, consomem mais recursos a gerirem os confrontos ideológicos do que a gerarem a contrapartida de riqueza, que os cidadãos investem nos salários brutais dos políticos.
Assim, questiona-se a legitimidade do sistema. Porque ele efectivamente não rende, e deixa atrás do seu percurso uma longa história de alienação de património público de todo um sector empresarial do Estado, que foi investimento de nós todos e debandou para a posse de empresários que constantemente choramingam aos ouvidos do mealheiro público, como se ainda não bastasse esta espécie de banca rota, em que toda a classe dirigente e empresarial no seu conjunto, nos colocaram mais uma vez.
Esta estrutura de segmentos ideológicos expressa no actual formato partidário, tem visivelmente os dias contados. Uma democracia avançada não se sustentará obviamente de apelos a um sistema de partido único, disso Portugal já deu provas de não gostar, mas que os partidos do futuro têm de rever os seus manuais ou manifestos, para corresponderem com a exacta precisão aos desafios e exigências, de cada um e concreto momento da história que estamos a fazer no presente, à lá isso é que têm.
A 16 de Dezembro de 2009, assisti a uma reunião da Câmara Municipal de Mértola, que tinha como ponto principal na ordem de trabalhos, a apresentação das Grandes Opções do Plano para o próximo, actual quadriénio. Decidi participar nessa reunião, na qualidade de cidadão e munícipe, e devo confessar que os primeiros minutos da minha decisão de participar, me atormentaram um pouco. Este sentimento, emergia da possibilidade de virem a registar-se algumas discussões em alta voz, com conteúdos degenerativos aos princípios fundamentais que neste texto venho salientando.
A reunião já decorria quando cheguei. Cumprimentei a mesa com um olhar de afecto e cordialidade, sentei-me e comecei a aperceber-me que estava na frente do milagre que há tantos anos esperava ver materializado. O Presidente Jorge Rosa coordenava os trabalhos e começava por referir que o volumoso caderno de planos que tinha em cima da mesa, tinha sido alvo e objecto de um intenso trabalho de preparação em conjunto com a CDU, segunda força política mais votada e na oposição já há três mandatos consecutivos. Dessa postura de diálogo e trabalho conjunto, resultou a inclusão de 17 pontos do programa eleitoral da CDU, no presente dossier das Grandes Opções do Plano levado a votação, e aprovado por unanimidade nesta mesma sessão. Começámos uma nova Era para os relacionamentos políticos no Concelho de Mértola. Demorou, mas está aí. Nem sempre será muito tarde. Eu iria mais longe, atribuindo pelouros aos vereadores da oposição. Mas, restabelecer e consolidar uma confiança muito abalada e deprimida, pode precisar de mais tempo. Estejam e fiquem cientes todo os dirigentes políticos e seus seguidores, que o passo dado não pode sofrer atropelos. Que este é o único caminho que temos diante dos olhos. Que as populações estão ansiosas, ávidas pela notícia deste enorme avanço. E quem ousar pronunciar ou referir-se à honra e legado de Serrão, não poderá sofrer de inflexibilidades na visão e nos sentidos. Tanto nos sentidos extremados da esquerda, da direita, ou do centro. O que ainda assim terá aval para ser menos intransigente é apenas este: o sentido das humanidades. No fundo, o sentido que Portugal tanto precisa. E este, só se encontra entre todos os portugueses. Ou se se quizer, não naquilo que poderíamos classificar de sua obscuridade, mas sim na clareza que falta pôr a descoberto da sua inteligência.
Mértola, 24 de Janeiro de 2010.
© Germano Vaz – Sociedade Portuguesa de Autores – 1/2010